Planos Econômicos

Sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. ADPF. Efeitos jurídicos, políticos e econômicos

1 introdução

Na segunda metade da década de oitenta e início da década de noventa diferentes planos econômicos foram editados pelo governo federal, para combater a inflação galopante que havia tomado conta do país, segundo explicações oficiais que foram dadas na época.

De fato, a população vivia sob o impacto inflacionário nunca dantes visto, de tal forma que os preços de mercadorias eram remarcados duas vezes ao dia, uma vez de manhã, e outra vez à tarde.

Por isso, esses planos vieram, de certa forma, respaldados pela vontade popular. assim, eles não foram contestados sobre o prisma da constitucionalidade, a não ser no caso de confisco do ativo financeiro, decretado pelo plano Collor i, objeto de milhares de mandados de segurança para liberação das contas de poupança superiores a 50 cruzados novos que haviam sido bloqueados pelo banco central.

Nos demais casos, as ações judiciais limitaram-se a contestar a aplicação, pelos estabelecimentos bancários, de índices novos resultantes dos diversos planos econômicos adiante sumariados, desrespeitando-se o princípio do direito adquirido, que se insere no rol de garantias fundamentais, protegidas em nível de cláusula pétrea.

A inconstitucionalidade levantada estava, pois, no plano da aplicação das normas, e não no plano da elaboração das normas.

E aqui é oportuno fazer um breve estudo acerca do direito adquirido, cujo desrespeito implica retroatividade da lei em grau mínimo.

Três são os graus de retroatividade: a máxima, a média e a mínima.

Citemos o exemplo de uma lei que reduz a taxa de juros de 12% a.a para 6% a.a, a fim de bem ilustrar esses graus de retroatividade: se for determinada a aplicação da nova lei, implicando a restituição dos juros pagos sob o império da lei antiga, teremos a retroatividade em grau máximo. se for aplicada a nova lei em relação a juros vencidos, porém, ainda não pagos, teremos a retroatividade em grau médio. Se for determinada a observância da nova lei em relação a juros ainda não vencidos, porém, com o contrato de mútuo celebrado na vigência da lei antiga, teremos a retroatividade em grau mínimo, também, conhecida como retroatividade mitigada.

Em relação à retroatividade em grau máximo e à retroatividade em grau médio não há qualquer dúvida, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Contudo, no caso da tributação do aposentado e do pensionista por meio de contribuição social o supremo tribunal federal, em decisão nitidamente política, ignorou o ato jurídico perfeito e acabado ao desconhecer a situação dos aposentados e pensionistas segundo a legislação vigente antes da emenda constitucional n° 41/2003.[1] houve uma espécie de “desaposentação” e “repensionamento” em condições mais desfavoráveis aos beneficiários. a aposentadoria e a pensão por configurarem ato jurídico perfeito só poderiam ser invalidados por vício extrínseco ou intrínseco.

Em relação ao direito adquirido, cuja inobservância gera efeito retroativo em grau mínimo, a confusão na doutrina e na jurisprudência é frequente. Muitos confundem-no com a mera expectativa de direito, figura completamente estranha ao mundo jurídico. Expectativa é simples pretensão que alguém tem de fazer alguma coisa no futuro. Nada tem a ver com a seara do direito.

O direito adquirido, protegido pela constituição federal juntamente com o instituto da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, está conceituada na lei de introdução às normas do direito brasileiro em seu art. 6°, § 2°. Em termos simples e claro significa a faculdade de o titular de um direito usufruir dos seus efeitos, no futuro, quando não mais estiver em vigor a lei que conferiu aquele direito.

Sem o instituto do direito adquirido difícil seria alguém conseguir a efetivação de seu direito material, tendo em vista o caráter dinâmico do direito a ensejar frequentes modificações no curso do tempo. Daí a necessidade de a constituição federal tornar insuprimível esse direito.

Desrespeitar o direito adquirido é, pois, o mesmo que afrontar o princípio constitucional da segurança jurídica, gerando total instabilidade nas relações jurídicas.

2 – Dos diferentes planos econômicos

Para tentar frear o processo inflacionário agudo que tomou conta de nossa sociedade, chegando a uma inflação superior a 50% ao mês, o governo federal editou sucessivos planos econômicos todos eles fracassados e que ensejaram milhares de ações judiciais contra diversas instituições bancárias, motivadas por desrespeito ao direito adquirido dos titulares de conta de poupança. Aplicaram-se, indevidamente, os novos índices resultantes desses planos econômicos sobre os valores depositados anteriormente à edição deles. Em resumo, restaram desrespeitadas as datas de aniversários das contas de poupança.

A seguir examinaremos, de forma sucinta, os diferentes planos econômicos:

2.1 plano cruzado

a) instituição: decreto-lei nº 2.283, de 27/02/86, publicado no do de 28/02/86, posteriormente revogado pelo decreto-lei nº 2.284, de 10/03/86, publicado no do de 11/03/86.

b) a conversão para cruzados dos saldos de caderneta de poupança, bem como do fgts e do fundo de participação pis/pasep foi precedida de uma aplicação pro rata da correção monetária e juros, na forma da legislação específica que vigorava em 27/02/86.[2]

O índice de correção para as contas do dia primeiro foi de 14,36% para os demais dias foi aplicado o pro rata calculado pela fórmula: (1,1436) elevado a k divido por 28-1, onde k correspondia ao dia do aniversário da conta.

Não houve o reconhecimento de repercussão geral pelo stf quanto à matéria. Logo, os tribunais deixaram de aplicar a suspensão do processo nesses casos.

2.2 – plano bresser

a) instituição: decreo-lei nº 2.335/87, ado pelos decretos-leis ns. 2.336/87 e 2.337/87 regulamentado pela resolução bacen nº 1.338/87.

b) aplicou-se a correção monetária de 18,61%, enquanto tinham direito a correção de 26,96%, conforme decreto-lei nº 2.284/86, restando uma diferença de 8,04% a ser aplicada aos poupadores.

2.3 – plano verão

a) instituição: mp nº 32/89 convertida na lei nº 7.730/89;

b) em fevereiro de 1989 deveria ter sido aplicado o índice de 42,72%, tendo sido aplicado somente o índice de 22,97% restando uma diferença a pleitear de 20,37%.

Com relação aos planos Bresser e verão o STF reconheceu a existência de repercussão geral no re n° 626307/sp em que figura como recorrente o banco do brasil, conforme decisão de 15-4-2010, rel. min. dias Toffoli.

Em consequência os processos nas instâncias ordinárias ficaram sobrestados, bem como aqueles que já se encontravam na corte suprema.

2.4 plano collor i

Aqui deve-se distinguir os valores não bloqueados pelo banco central e os valores bloqueados pelo banco central.

2.4.1 plano collor i – valores não bloqueados pelo bacen

a) instituição pela mp nº 168/90, posteriormente convertida na lei nº 8.024/90;

b) ações judiciais objetivam a aplicação dos percentuais de correção monetária de 44,80% para abril de 1990 e de 2,76% para maio de 1990, correspondentes ao ipc apurados naqueles meses, não aplicados pelas instituições financeiras;

c) a legitimidade passiva da ação é das instituições financeiras originalmente depositárias já que os arts. 6º e 9º da lei nº 8.024/90 prescreveram que os valores até o limite de ncz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos) permaneceriam na administração e posse direta dessas instituições financeiras, in verbis:

“Art. 6º os saldos das cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do art. 1º, observado o limite de ncz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos).”

“Art. 9º serão transferidos ao banco central do brasil os saldos em cruzados novos não convertidos na forma dos arts. 5º, 6º e 7º, que serão mantidos em contas individualizadas em nome da instituição financeira depositante.”

Foi reconhecida a repercussão geral no re n° 591797/sp, recorrente banco itaú s/a, rel. min. dias toffoli, em decisão proferida no dia 15-4-2010.

2.4.2 plano collor i – valores bloqueados pelo bacen

a) instituição: mp nº 168/90, posteriormente convertida na lei nº 8.024/90 ;

b) ações judiciais objetivam a aplicação dos percentuais de correção monetária de 44,80% para abril de 1990 e de 2,76% para maio de 1990, correspondentes ao ipc apurados naqueles meses, não aplicados pelas instituições financeiras;

c) a legitimidade passiva da ação é do banco central do brasil, já que o art. 9º da lei nº 8.024/90, antes transcrito, prescreveu que os valores não convertidos em cruzeiros, ou seja, aqueles superiores ao limite de ncz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos), deveriam ser transferidos para o banco central do brasil.

O STJ já decidiu em sede de recurso repetitivo (art. 543-c do cpc) que o BACEN é parte legítima para figurar no polo passivo (resp n° 1070252/sp, rel. min. luiz fux dje 10-6-09).

Foi reconhecida a repercussão geral no re n 631363/sp, rel. min. Gilmar Mendes, em que figura como recorrente o banco Santander s/a, julgado em 13-8-2010.

2.5 plano Collor ii

a) instituição: mp nº 294, de 31/01/91 e lei nº 8.177, de 1º/03/1991.

b) aplicou-se a correção monetária baseada na trf, no percentual de 18,66%, enquanto os poupadores tinham direito a correção monetária de 20,21% de acordo com a btn, restando uma diferença de 1,55% a ser aplicada.

Foi reconhecida a repercussão geral no re n° 632212/sp, rel. min. Gilmar Mendes, em que figura como recorrente o Banco do Brasil s/a, julgado em 13-8-2010.

3 – Ação de descumprimento de preceito fundamental – ADPF

A confederação nacional do sistema financeiro – CONSIF – ingressou com a ADPF, que recebeu o n° 165, distribuída ao min. Ricardo Lewandowski, figurando dezenas de entidades como Amicus Curiae.

O objetivo da ação é reparar eventuais lesões a preceitos fundamentais consubstanciadas nas “decisões que consideram os dispositivos dos planos monetários (ou econômicos) como tendo violado a garantia constitucional que assegura a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito implicam violação ao art. 5º, xxxvi, da constituição, dado que incluem no campo de aplicação desse preceito fundamental hipótese nele não contemplada (a existência de direito adquirido a regime monetário revogado) e aos arts. 21, vii e viii , 22, vi, vii e xix e 48, xiii e xiv, da constituição federal, por desconsiderarem a constitucionalidade do exercício do poder monetário pela união e pelo congresso nacional.”

Sustenta que teriam sido afrontados os artigos 5º, caput, xxxvi, 21, vii e viii, 22, vi, vii e xix e 48, viii e xiv da cf.

Transcreve-se os dispositivos constitucionais apontados para constatação da absoluta ausência de sua pertinência com a causa pretendi aferível pela simples leitura ocular.

Art. 5º, caput, xxxvi, 21, vii e viii, 22, vi, vii e xix e 48, xiii e xiv da cf:

“Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

xxxvi – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

“Art. 21. compete à união:

vii – emitir moeda;

viii – administrar as reservas cambiais do país e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;”

“art. 22. compete privativamente à união legislar sobre:

vi – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

vii – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

xix – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;”

“art. 48. cabe ao congresso nacional, com a sanção do presidente da república, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da união, especialmente sobre:

xiii – matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;

xiv – moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.”

Foi formulado o pedido liminar, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, para:

a)sustar a prolação de qualquer decisão – cautelar, liminar, de mérito ou concessiva de tutela antecipada – e o andamento de todos os processos, em qualquer de suas fases, que tenham como objeto impedir ou afastar a eficácia dos dispositivos pertinentes aos planos econômicos.

b) suspender, nos termos do § 3º do art. 5º da lei nº 9.882/99, todo e qualquer ‘andamento de processo’ de natureza e ainda, com eficácia ex tunc , todos os ‘efeitos’ de quaisquer decisões – cautelares, liminares, de mérito ou concessivas de tutela antecipada, inclusive em face de ução provisória ou definitiva, suspendendo levantamentos de depósitos efetuados – que tenham afastado a aplicação dos dispositivos pertinentes aos planos econômicos ou os tenha considerado inaplicáveis por qualquer motivo.

No mérito formulou os seguintes pedidos:

a) a procedência da ação para que seja solucionada a controvérsia acerca da constitucionalidade dos planos cruzado, bresser, verão, collor i e ii;

b) a concessão de efeito vinculante e eficácia erga omnes à decisão;

c) que seja fixada a interpretação de que a garantia constitucional que assegura proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido não se aplica aos dispositivos que fundamentam os planos econômicos sob debate, “dada a circunstância de estes vincularem normas de política monetária, garantindo-se a segurança jurídica”;

d) que o efeito vinculante da decisão do stf seja estendido a todos os processos em que a questão é discutida.

e) em caso de descabimento da adpf postulam, nativamente, por seu recebimento como ação declaratória de constitucionalidade, uma vez que “o que se pretende é o reconhecimento da plena constitucionalidade dos referidos artigos, os quais, interpretados conforme à constituição, devem incidir em todas as relações jurídicas, sem qualquer vinculação a atos jurídicos perfeitos ou direitos adquiridos.”

Tendo em vista inúmeros precedentes do stf no sentido da existência do direito adquirido foi indeferida a medida liminar, mantido o indeferimento pelo reexame feito pelo min. presidente gilmar mendes por provocação da autora. A liminar objetivava a suspensão da tramitação das ações nas instâncias ordinárias. Entretanto, como já o dissemos, os processos foram suspensos em função da existência de repercussão geral em relação aos índices a serem aplicados aos poupadores.

Na verdade, a ação, ao requerer astutamente a proclamação de constitucionalidade dos planos econômicos como se alguém estivesse contestando a sua constitucionalidade, bem como, ao requerer a inaplicação ao caso vertente do instituto do direito adquirido contra expresso texto constitucional, bem assim ao postular nativamente a impossível convolação da ADPF em ação declaratória de constitucionalidade das normas que não mais estão em vigor, torna a petição inicial inepta.

Superada, eventualmente, a preliminar a ação deve ser julgada improcedente, mantendo-se a firme jurisprudência da corte suprema já consolidada no sentido da inaplicação de novos índices relativamente a depósitos feitos antes do advento dos diferentes planos econômicos.

4 – conclusões

Essa ação da consif tenta reverter as decisões da corte suprema prolatadas em inúmeros recursos extraordinários mediante utilização de argumentos sem menor consistência jurídica, mas com bastante peso político. a pressão exercida pelos banqueiros é bastante forte, mas não o suficiente para passar esponja em inúmeras decisões da corte em sentido oposto ao pretendido nesta confusa ação judicial.

A temerária ação procura, por meio de argumento ad terrorem, incutir na mente dos julgadores a ideia de que os bilhões de reais que os bancos terão que pagar irão ameaçar a saúde financeira das instituições bancárias. Estrategicamente, a ação foi aflorada no auge da crise financeira internacional.

Sempre que se descumpre por anos a fio as normas legais e constitucionais, as conseqüências, a exemplo dos precatórios judiciais descumpridos, só poderiam ser negativas. Não se pode invocar o calote cometido como meio de defesa a pretexto de que as dívidas tornaram-se enormes.

Cabe aos bancos pagar os bilhões até hoje sonegados aos milhões de poupadores em todo o país, e redirecionar a sua política de aplicação de recursos nas construções de prédios cada vez mais luxuosos e perfeitamente dispensáveis, bem como, conter os seus gastos excessivos com as despesas correntes.

Notas

[1] Adi nº 3.105-df, relatora originária: min. ellen gracie, relator para o acórdão: min. cezar peluso, dj de 18-2-2005.

[2]A aplicação pro rata, na verdade, produz efeito retroativo em grau mínimo, tanto é que em relação aos demais planos econômicos que se seguiram não se cogitou de sua aplicação, revelando o amadurecimento da jurisprudência.

Autor: kiyoshi harada

fonte: jus navigandi

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